sexta-feira, 30 de abril de 2010

Feliz por nada - Martha Medeiros


"Geralmente, quando uma pessoa exclama “Estou tão feliz!”, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Digamos: feliz porque ainda é abril e temos longos oito meses para fazer de 2010 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque se achou bonita. Feliz porque existe uma perspectiva de uma viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há melhor lugar no mundo do que sua cama.
Esquece. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo?
Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. Felicidade é ter talento para aturar, é divertir-se com o imprevisto, transformar as zebras em piadas, assombrar-se positivamente consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se quiser ser mestre em alguma coisa, tente ser mestre em esquecer de você mesmo. Liberte-se de tanto pensamento, de tanta procura por adequação e liberdade. Ser uma pessoa adequada e livre – simultaneamente! – é uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?
E tempo esgotado para o questionário de Proust, essa mania de ter que responder quais são seus defeitos, suas qualidades, sua cor preferida. Chega de se autoconhecer! Você já está aqui, já tem seu jeito, já carimbou seu estilo e assumiu que é um imperfeito bem intencionado.
Feliz por nada talvez seja isso".

Publicado no Jornal O Globo em 25/4/2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

80 anos não são para qualquer um

Enquanto Brasília comemorava seus 50 anos, minha avozinha materna completava seus 80 anos de muita luta. Se pudesse participaria das duas comemorações, mas escolhi as de laço de sangue e de afeto, afinal, na capital sou uma recém-chegada.
Valeu a pena.Além de voltar à minha cidade, rever a família e alguns amigos, tive a oportunidade de encontrar com os parentes com os quais encontro poucas vezes ao ano. Tios, tias, primos,afilhados...muita risada, pouco assunto sério, muitos abraços... Mas ver a alegria de minha avó com a surpresa de ver toda a família vestindo camisetas com sua foto, de ver os filhos, netos e bisnetos a homenageando foi o mais gratificante.
Essa mulher, viúva com seus trinta e poucos anos, criou 10 filhos sozinha e construiu uma família que pode ter lá seus problemas, mas é uma família unida e feita de pessoas de bem. Imagino que tenha sido esse o maior desejo dela. Dizem que ela sempre foi muito dura com os filhos, talvez graças a isso nenhum deles tenha se perdido pelo caminho da vida. Haveria outro mode de uma jovem viúva manter sua grande família no caminho certo? Se era dura, também sempre foi decidida e generosa.
Pelas suas mãos trouxe ao mundo dezenas de crianças. Foi agente de saúde, e na pastoral da criança ajudou a confeccionar roupas e cobertores para bebês carentes. Se um filho ou neto ficam doente, ela larga seus afazeres e vai cuidar deles. Ela é o centro da família, a razão de todos os demais existirem. E até que Deus permita, ela vai estar presente em nossas vidas, não como uma expectadora, mas como protagonista.

P.S. Aguardem as fotos

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Estou com falta de assunto. Olho todos os dias para esta página sem saber o que dizer. Quando a gente está com problemas quer desabafar, quer "chorar as pitangas", quando se tem uma grande surpresa a gente quer compartilhar, mas quando as coisas correm normalmente, parece desnecessário falar.
Mas tem uma coisa que posso contar. Acabou de assumir por aqui um novo, ou melhor, uma nova "chefe suprema". Vocês já perceberam que a cada chefe que entra há mudanças na rotina do trabalho? Seria ótimo se a maioria delas não fossem meros detalhes... por aqui não foi diferente. Faz muita diferença "agradeço as congratulações ou agradeço aos cumprimentos"? detalhe: depois de várias correspondências já terem sido impressas e ter que ser tudo refeito...e quando mandam você alterar um texto para tirar uma vírgula que você sabe que deveria ficar exatamente onde ela estava? Mas como se diz que manda quem pode e obedece quem tem juízo... A vida segue no reino.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Três anos depois




Três anos se passaram, mas as lembranças continuam vivas como se tudo tivesse sido ontem...Como esquecer do dia em que fomos separados para sempre?
Tenho tanto medo de esquecer do teu sorriso, do teu jeito de falar quase como um resmungo, do teu jeito de arrumar o pouco cabelo que tinha, do teu perfume, da gargalhada meio encabulada, quase contida; de quando você roubava comida nas panelas... Você não era perfeito. Não tinha muita paciência de repetir as coisas. Era muito na sua e era quase impossível desvendarmos o que se passava debaixo da redoma que você criava em torno de si. Você era um mistério. Mas era sobretudo um irmão. Alguém com quem se podia contar sempre. Generoso, honesto, trabalhador, inteligente,digno, um lutador. Até o fim, um lutador.


A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Carlos Drummond de Andrade